Com certeza, esse é um texto sempre oportuno para refletir. Questione a sua consciência sobre como você está para a vida, considerando o texto “milho de pipoca”. Aproveite-o e reflita: “seria você o milho que passou pela prova do fogo e se tornou uma linda flor branca e macia? Ou será que está vivendo como o milho piruá que não serve para nada?”
Milho de Pipoca
‘Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre.’
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: a dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder emprego ou ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo! Sem fogo o sofrimento diminui.
Com isso, a possibilidade da grande transformação também. Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada para ela.
A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM! e ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado. Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.
A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. No entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria para ninguém.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre.”
Assim é a nossa prática, cheia de altos e baixos.
Temos fases em que a prática parece leve, suave, maravilhosa, relaxante – sempre um novo “insight”, sentar em Zazen é um prazer delicioso, gratificante.
Depois temos fases em que a nossa prática parece seca, estacionada. Temos a impressão que alguma coisa foi paralisada. Chegamos a nos questionar de porque continuamos. Temos a sensação de estar atravessando um deserto, um vazio, sem nada. Ficamos sem vontade de ir ao zendo, e de conversar com o Professor de Darma.
Em outras fases a prática parece que está indo para trás. Sentar em zazen parece um castigo: o corpo doi, a mente está revoltada. Podemos estar sentindo raiva do Professor, dos colegas, de nós mesmos por estarmos continuando “nesta idiotice”. Ficamos revoltados, até sem vontade de ir ao zendo. Neste caso já estamos em plena rebelião – não queremos mais meditar ou conversar com o Professor de Darma. Queremos brigar com ele (ou ela) – talvez até comecemos a odia-lo, a querer estar bem longe – em outro lugar, outra prática, em qualquer outra atividade. Temos vontade de nos livrar do Professor, dos colegas, destas pessoas tão incômodas. Sentimos que quanto mais praticamos, pior vamos ficando! Nossa confiança no Zen fica abalada. Acreditamos que o Professor não nos entende ou, pior ainda, que é um louco, um ser de gênio insuportável! Não compreendemos o Método de Treinamento Zen, que é um método muito sutil… É possível que os nossos amigos não nos entendam, ou então, que eles mesmos estejam nos chamando para outro caminho, talvez para um caminho falso, mas sedutor… Nosso sofrimento é grande, pois fogo é com certeza muito quente. Parece que está tudo errado: estamos no inferno.
É neste momento que somos como o milho da pipoca sobre o fogo…
Quantos de nós tem a coragem, a confiança no Darma e no Professor, a auto-confiança e a pura determinação para nos manter firmes na prática nesta hora, um momento tão vital na nossa caminhada?
Nestes momentos, em que o fogo está queimando, a pressão interna – e, muitas vezes, a externa também – pode parecer insuportável. Mas são estes os momentos em que estamos quase prontos para romper mais uma camada do nosso Ego condicionado, e nos libertar mais um pouco de nossa armadura. Se nestas horas recuamos, nos afastamos da prática (mesmo temporariamente), ou mandamos o professor embora, se escolhemos outra tradição – se fugimos do nosso desconforto – desperdiçamos a oportunidade de dar um salto quântico em nossa prática. Jogamos fora a chance de manifestar um aspecto da nossa Natureza Buda, e de aprofundar, verdadeiramente, a nossa compreensão do Darma.
Ficamos na superfície. Perdemos o Caminho, e a tradição nos diz que podemos demorar inúmeras vidas para recuperá-lo. Mesmo se continuamos como praticantes leigos, ou até como monges, de forma muito sutil, perdemos o Caminho. Que triste.
Apegados às nossas cascas, recusamos perder nossas opiniões, gostos pessoais, apegos, e voltamos à falsa segurança e conforto do nosso mundo de sempre, da mente comum, do Ego Condicionado.
Algum dia – talvez daqui a muitos “kalpas” – teremos que enfrentar o fogo novamente, porque não existe meio de fazer o milho se transformar em pipoca sem passar pelo fogo…
Que possamos ter coragem para passar pelo fogo agora, sem fugir, até que rache nossa armadura, e a Natureza Buda possa se manifestar plenamente em nós.
Texto atribuído a uma adaptação do original do escritor Rubem Alves;
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